Depois de 39 anos, lembro-me perfeitamente do
incêndio no edifício Joelma, Praça das Bandeiras, centro de São Paulo. Naquela
época eu trabalhava na Praça Patriarca, seqüência do Viaduto do Chá, caminho em
direção à Rua Direita que desemboca na Praça da Sé, marco zero da Capital
Paulistana. Dia 1° de fevereiro de 1974, uma sexta-feira, parecia que íamos ter
um belo final de semana, com muito sol, convidativo para descermos a serra de
Santos no final do dia ou no inicio do sábado. Ledo engano, quase 09h00min, começou
uma correria entre os transeuntes, as pessoas se aglomeravam no Viaduto do Chá,
ali dava uma visão direta para o edifício da Avenida Nove de Julho, 225, com
duas fachadas laterais para a Praça da Bandeira e outra de fundos voltada para
a Rua Santo Antonio, naquele momento começava a ser coberto de fumaça e
labaredas. Não me demorei muito tempo olhando aquela cena inapagável para o
resto da minha vida, pessoas começavam a se lançar dos andares em chamas, indo
de encontro ao solo, para desespero de todos nós que imobilizados pelo pânico,
não manifestávamos nenhuma reação, a não ser a perplexidade pela movimentação
das viaturas do corpo de bombeiro no entorno do edifício. Com muita eficiência,
homens e equipamentos, na operação, com 12 auto-bombas, 2 plataformas
elevatórias, 3 auto-escadas, popularmente conhecidas como magiirus, e dezenas
de veículos para resgate, e um helicóptero
do Apenas uma hora e meia após o início do fogo é que o primeiro bombeiro
conseguiu, com a ajuda de um helicóptero do Para-Sar (com capacidade para se manter no ar para efetivação dos
resgastes). Assim conseguiram debelar o incêndio às 10h30min. Durante
todo o resto do dia as conversas giravam em torno da tragédia que tinha
consumida 191 vidas, todos os sobreviventes foram resgatados até as 13h30min,
das 756 pessoas ocupantes dos 25 andares, sendo os 10 primeiros destinados à
garagens e os 15 restantes com escritórios, na sua maioria pertencentes à época
ao Banco Crefisul de Investimentos.
Esse fato e as imagens ainda vivas na minha memória
me remeteram a leitura da tragédia do edifício Andraus, com 115 metros de altura e
32 andares, na Avenida são João com a Rua Pedro Américo, também no centro da
cidade de São Paulo, ocorrida em 24 de fevereiro de1972, portanto, quase 2 anos
antes, quando foram consumidas 16 vidas e fazendo 330 feridos. O fato foi em
decorrência de uma sobrecarga no sistema elétrico, teve início no 2° andar e
consumiu praticamente todo o prédio. O edifício foi restaurado, mantendo a sua
forma geométrica e a importância arquitetônica, ocupado por repartições
municipais e federais, em substituição aos seus antigos inquilinos como os
escritórios das multinacionais Henkel AG &Co. KGaA, e a Siemens AG,
conglomerados alemães, além da famosa loja Pirani que ocupava o térreo e
subsolos, essa última empresa já não se encontra em atividade.
No inicio dos anos 60, exatamente dia 17 de dezembro
de 1961, era um sábado, o “Gran circus Norte-Americano”, instalado na Praça
Expedicionário, centro de Niterói/RJ, era vítima de um desequilibrado mental,
por vingança e por ter sido demitido do seu quadro de funcionários, com ajuda
de parceiros delinqüentes colocaram fogo no circo durante o espetáculo da
tarde. Da platéia de 3000 pessoas foram feitas 500 vítimas fatais sendo 350
crianças, para consternação da população de Niterói, antiga Capital do Estado
do Rio de Janeiro, de 1834 até 1975, com a fusão do Estado do Rio de Janeiro e
o Estado da Guanabara.
Voltando para a história mais recente, 25 de
fevereiro de 1984, às 00h50min, Vila Socó, cidade de Cubatão/SP, nas margens do
km 57, a
explosão dos dutos da Petrobras, sob a favela, consome uma quantidade de vidas
até hoje sem um número certo, sabe-se apenas das 93 vítimas fatais e oficiais,
sendo que o Estado fez doação de 300 urnas funerárias, um perfeito anacronismo
na sua forma de usar os dados para levantamento das vítimas, com verdadeiros
desencontros de informações. Tragédia que fez o governador à época, André
Franco Montoro, desmaiar com a cena de corpos carbonizados, principalmente a
imagem de uma mãe grávida, carbonizada com o formato do feto exposto, e duas
crianças agarradas ao seu corpo, como quem a pedir socorro.
Madrugada de sábado para domingo, dia 27 de janeiro,
próximo passado, uma nova tragédia toma conta de uma cidade de 262 mil
habitantes, com uma população universitária superior a 10%, espalhada pelas
suas Faculdades e Universidades que dignificam Santa Maria/RS. Acostumada a ver
seus jovens nos momentos de descanso e lazer gozarem dos seus muitos pontos de
encontros, comuns em todas as cidades que oferecem alternativas para o bem
estar da sua comunidade, foi sacudida pelo horror dos gritos das vítimas,
jovens estudantes que comemoravam a alegria de viver numa cidade tão
progressista que sempre primou pela educação dos seus filhos nativos ou não.
Como conseqüência, 235 pessoas tiveram suas vidas
interrompidas, foram tragadas pelo descaso, displicência e incompetência de
muitos. Outras tantas ainda lotam UTIs, lutam pela sobrevivência em hospitais
até da Capital, Porto Alegre. A solidariedade é notória, o Brasil chora com os
santa-marienses pelas vítimas que não tiveram tempo de mostrar sua capacidade,
inteligência, e demonstrar suas gratidões e retribuições futuras aos pais que
tanto lutavam pela vitória dos seus filhos. O incêndio não matou apenas os
jovens de Santa Maria, acabou com os sonhos de muitas famílias, junto com os
corpos foram enterradas esperanças de um futuro promissor para aqueles que
tinham o desejo de lutar por dias melhores, tanto para eles como para seus
familiares e a própria pátria. Apesar da tristeza para aquela gente guerreira,
fica a certeza que a luta continua para aqueles que sobreviveram, e vão lutar
com mais força e inteligência pelos parentes e amigos que a tragédia levou. Muito
embora, depois de contabilizada as perdas, certamente os danos vão continuar
com a ausência dos seus, esses ausentes serão lembrados para sempre, porém o
espírito forte dos santa-marienses saberá sobrepor esse obstáculo com
dignidade. Os alcançados pela tragédia não tiveram tempo de mostrar seus
valores, vão ficar na história como vítimas de um sistema falido, quando nós,
seres humanos valorizamos o ter, o poder e a usura, em detrimento a
generosidade para com os outros, os nossos limites, e a própria sensibilidade
para com o que pode até nos afetar, magoar e matar.
Em todas as tragédias citadas, e as não citadas, por
uma questão de síntese, verificamos o mesmo comportamento dos envolvidos. No
momento seguinte o sentimento de dor, a corrida numa caça as bruxas que possam
ser responsabilizadas pela desgraça que envolveu a população afetada, cada um
procurando jogar a culpa no outro, fugindo das suas responsabilidades, numa
covardia inerente ao caráter fraco dos que tentam fugir aos seus compromissos,
se tornando omisso, inconseqüente e inoperante perante a sociedade que
representa. Na sequência uma verdadeira força tarefa se lança a resolver os
problemas que possam vir a possibilitar novas ocorrências. Isso só demonstra a
incoerência nos gestores dos órgãos que fiscalizam nossas atividades comerciais,
por todo território nacional.
É hora de começarmos a pensar na nossa história com
mais dignidade e responsabilidade para com os que compõem a sociedade em que
vivemos, projetando o futuro, corrigindo os erros e os vícios do passado. A
situação e a sociedade que vivemos é muito diferente daquela que encontramos há
50 anos. Atualmente, nos ambientes voltados às diversões, principalmente aqueles
dedicados, ou direcionados, aos jovens, em espaços fechados ou abertos, com
verdadeiros aparatos pirotécnicos, com sons produzidos com equipamentos parecendo
mais uma parafernália eletrônica, muitas
vezes com operadores de conhecimentos duvidosos, ou máquinas sem a capacidade
precisa, nesses casos os riscos ficam maiores, evidenciados pela grande
concentração de pessoas, com pouca margem de segurança, tão precisada e
necessária nesses ambientes onde há o envolvimento de alegria extrapolada pelo
excesso de consumo de álcool e energéticos, além de outros estimulantes,
tornando os ambientes muitos vezes tensos e de difícil controle numa
emergência.
O caminho agora é o da sensatez, da coerência e da
reflexão, precisamos tornar o país mais seguro para os nossos filhos, só assim
podemos imaginar um Brasil de paz de espírito para os netos que devem vir e viver
em paz, dando continuidade as futuras gerações.
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